Deficiente físico viajou até o outro lado do mundo pelo Inter
Ao comemorar o primeiro aniversário do título mundial muitos colorados não se cansam de lembrar os momentos mais gloriosos do Internacional. Os privilegiados que foram até o Oriente estão entre aqueles que exaltam todos os dias os obstáculos que venceram para acompanhar o time tão longe. Alguns venceram obstáculos financeiros para chegar ao Japão, outros venceram o cansaço das quase 48 horas de viagem, outros as dificuldades da língua. Mas existem torcedores que venceram obstáculos especiais.
Guacir Llano Bueno é um desses. Ex brigadiano, ele foi sozinho ao Japão. Na verdade contou com a colaboração de um amigo. Guacir é aposentado e não teve problemas para tirar férias no trabalho. Tampouco teve que se desfazer de algum bem para viajar. Mas nunca tinha ido tão longe desde que ficou paraplégico e perdeu os movimentos e a sensibilidade do peito para baixo. Além de não poder andar, Guacir tem limitações para fazer suas necessidades fisiológicas, o que o obriga a ir ao banheiro com frequência ou usar saquinhos acoplados na cadeira de rodas, os chamados coletores de urina. "Entre caminhar e sentir, eu prefiro sentir, meu maior problema é não ter controle sobre algumas coisas”, relata Guacir sobre sua impossibilidade de controle fisiológico. No avião, os coletores foram a alternativa encontrada.
Ao longo dos últimos dez anos, Guacir teve que encontrar muitas alternativas para sua nova vida. O tiro que fraturou sua medula, quando estava de folga dentro do seu carro em Caxias do Sul, mudou a vida do ex-brigadiano. Os primeiros três anos após o assalto foram de adaptação e fisioterapia. Após a confirmação da condição irreversível, veio a mudança para uma nova casa e a precoce aposentadoria.
Estava na Brigada Militar desde os dezesseis anos, tendo trabalhando diretamente com um governador do Estado e atuado como capitão do Batalhão de Operações Especiais (BOE). Guacir, após ser reformado, tornou-se medalhista paraesportivo no tênis de mesa, representando a ASASEPODE. Trata-se de uma associação dos servidores de segurança portadores de deficiência, agremiação que ajudou a fundar no Estado e visa dar suporte a pessoas que passam por situações semelhantes as suas.
Desde abril de 1997, quando ocorreu o assalto, muitos aprendizados e uma paixão que nem o tempo e nem as dificuldades apagaram: o Internacional. Guacir conversou com a família e pediu a colaboração de um amigo para acompanhá-lo na viagem e dividir o quarto. Muitas recomendações médicas e da fisioterapeuta. Aos quais ele próprio assume que foram ignoradas, como a proibição de ingerir bebidas alcóolicas. “Na volta não tinha como”, brinca o colorado. No final da viagem muitas histórias para contar e a certeza da superação de um desafio. “Esta é uma viagem que aterroriza até quem não tem deficiência”, afirma o brigadiano aposentado que hoje trabalha em um banco.
Das coisas que Guacir guarda do Japão, a gentileza e o trato dos japoneses com os deficientes físicos ganham destaque no seu relato. Ele conta de quando chegou ao hotel e percebeu que no quarto havia uma banheira. Mesmo com dificuldade de comunicação, prontamente os funcionários adaptaram o banheiro para o cadeirante. Instalações na cidade, como cabine telefônica própria para cadeirantes e espaços privilegiados no estádio são retratos de um país e de um povo que respeita a todos, sem distinção. “Telefone público adaptado, calçadas sinalizadas, acessibilidade universal do lugares”, assim Guacir descreve o país.
“O senhor iria ao Japão se tivesse que viajar sozinho”, lhe indago. ”Eu já me perguntei isso, mas sinceramente não sei”, responde ele. Também lhe pergunto se valeu a pena, e como resposta, um largo sorriso no rosto deste colorado que não mediu esforços por uma paixão.
* Matéria publicada no blog no dia 21/12/2007
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