sexta-feira, abril 18, 2008

Fascismo na imprensa: Análise crítica de uma reportagem


Na Zero Hora de hoje há uma reportagem nas páginas 4 e 5 falando da ação da Brigada Militar para retirar sem-tetos das ruas. A matéria “A nova tática da Brigada contra mendigos” apresenta um teor fascista. Sigo com uma análise crítica da mesma para explicar minha percepção.

Nas primeiras linhas uma breve explicação de como funciona a ação. Somente na terceira, das três colunas do texto, aparece a opinião de um morador de rua. O jornalista conta que “diariamente, entre 6h e 22h, um microônibus parte do quartel escoltado por uma viatura para recolher moradores de rua e leva-los à guarnição”. Agora um trecho fascista, não pelo texto do repórter mas que retrata o preconceito da própria BM. “Sete policias realizam o trabalho, parte utilizando luvas para o contato com os moradores de rua”. E ainda “no microônibus o grupo é obrigado a sentar no chão para não sujar os bancos”.

O jornalista Maicon Bock relata que a ação da BM foi movida por reivindicações das comunidades dos bairros Floresta e São Geraldo.

Ano passado fiz uma matéria com papeleiros do Loteamento Santa Terezinha, os quais me relataram, que ficaram um tempo sem trabalhar, antes da construção do loteamento, porque a associação de bairro do Floresta foi contra a presença de um galpão de reciclagem no bairro. Envergonhei-me de pertencer ao bairro naquele momento.

No texto uma contradição. Um major afirma que “entre 90% e 95% das pessoas abordadas têm passagens pela polícia”. Ainda acrescenta que foram reduzidos os crimes de pequeno monta.

Como moradora do referido bairro informo que o furto de carros e estabelecimentos comerciais - crimes de médio e grande monta, creio - é o crime que mais assusta os moradores da minha rua.

Ao final do texto, outro brigadiano relata que dos 60 moradores, um era foragido pela polícia. Ou seja, 1,6% dos moradores recolhidos são foragidos. Pergunto essa “visita” ao quartel é contada como passagem pela polícia? Talvez isso explicaria a porcentagem apresentada pelo policial de 90% terem antecedentes criminais.Outro paradoxo no final do texto “ De acordo com a BM, todos os 10 abordados ontem têm residência fixa e antecedência. Nenhum está em débito com a justiça.” A própria reportagem afirma que o fato de ter antecedentes não significa “débito com justiça”.

O texto ainda fala que um dos policiais, André Remião, que atua na operação faz uso da doutrina espírita para convencer os moradores a saírem da rua. O repórter faz menção, por ironia ou ingenuidade, a essa atitude: “Daniela(...) pouco preste atenção às palavras de Remião. A reação dos oito homens e da outra mulher que compõem o grupo é semelhante”.

E então, quando finalmente é apresentada a versão dos moradores de rua, a ação soa como ridícula. “Estão mais preocupados com o horário da liberação. Estão perdendo o almoço em um bandejão da Rua Garibaldi. O trajeto a pé de volta ao entorno da Rodoviária, de aproximadamente dois quilômetros impedirá que o grupo chegue a tempo.”

Alguns ainda se queixam de que não encontram o material recolhido na volta.

O dinheiro desses moradores, seja para drogas ou para comida, vem da coleta seletiva. Eles passam o dia catando lixo seco nas lixeiras e o vendem.

Na outra página a visão da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e de uma ONG (Centro Cultural e de Convivência Ilê Mulher). Nessa mesma página ainda há a opinião de um tenente coronel “nossa intervenção é mais policial do que social”. As críticas a ação estão no tratamento dispensando durante o trajeto ao quartel e na frequência com que muitos são levados.

E aqui um trecho que parece estar ali para justificar a ação policial: “para as pessoas que vivem nas áreas habitadas pelos moradores de rua, o período em que são levadas pelos policiais é de alívio. Os espaços públicos deixam de ser ocupados por colchões, lixo e outros pertences”. Eu pensei que tinha lido espaço público...

O jornalista justifica o uso das luvas pelos policiais: “ o risco de transmissão de doenças em meio à sujeira”.

Meu Deus, estou doente então, porque fiz uma reportagem sem luvas com catadores de lixo....

E finalmente uma opinião que me soa sensata: “Fasc gostaria que trabalho fosse feito em parceria”. E através da fala de uma servidora do órgão (fasc) : “ a sociedade quer que a Brigada Militar aborde e tire as pessoas da rua, mas em alguns casos isso não adianta: eles retornam”. A visão da ONG é semelhante: “talvez fosse muito mais produtivo uma palestra em um espaço onde os moradores se sintam bem do que num quartel onde eles estão oprimidos pelo simples fato de terem sido levados contra a vontade”.

O tema “ Ação da BM para tirar sem-tetos das ruas” certamente merecia uma matéria. Mas da maneira como está escrita trata o morador de rua de forma pejorativa. Ele é chamado de “mendigo” já no título. E o repórter procura justificar o tratamento preconceituoso da BM, como o uso das luvas. A expressão “alívio” relatada pelos moradores dos bairros também soa preconceituosa.

Leitor, se você ainda não entendeu minha indignação tente o seguinte exercício: imagine que você é um destes moradores. Eu lhe ajudo:

Imagine que você tenha que almoçar até às 14 horas. Então a BM chega às 11hs e lhe aborda com luvas, lhe coloca num microônibus sentado no chão, e você tem que voltar a pé para onde estava, por dois quilômetros. Como você ficou três horas no quartel e teve que caminhar para voltar, você perdeu o horário de almoço. Ah, você tem antecedentes criminais porque há dois anos atrás esteve envolvido em uma briga no trânsito.

Como se sentiria? Acho que foi assim que os moradores de rua se sentiram.

E não acho que seja assim que a imprensa deveria se comportar.

Em breve postarei matérias minhas para tentar mostrar-lhes como existe outra maneira para falar de pessoas marginalizadas pela sociedade.

2 comentários:

Fada Safada disse...

Oi, Anna.

Eu li esta matéria hoje.
A Brigada foi chamada a colaborar porque o serviço social que a prefeitura de POA oferece não dá conta.
A prefeitura dispoe de uma Kombi onde a esquipe de saúde aborda os moradores de rua e oferece um local para alimentação, higiene e aprendizado de um ofício.
Bem, falou em trabalhar...

Os moradores de rua não são obrigados a aceitar a abordagem social. Este país é democrático.
A população está habituada a dar esmolas. Fica muito mais fácil adquirir a sobrevivência com esmolas do que reinserir-se socialmente.

Concordo que a abordagem da brigada não foi das mais sociais, mas eles não fazem isso mesmo, são policiais, fizeram o que lhes foi ensinado a fazer.
A solução é muito mais complexa.
Me adiciona no msn e poderemos trocar algumas idéias, ok?

beijos da gaúcha.
Fada

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