terça-feira, janeiro 29, 2008

Ossos do ofício: Crônica da Primeira Vez

“O futebol encanta multidões” diz um velho clichê popular. Velho, popular e sábio como o esporte que hoje movimenta milhões de dólares. E mesmo com toda a frieza que o mercado da bola impõe às pessoas que nele atuam, o esporte preferido dos brasileiros ainda encanta corações, pode?

Há uma magia que se percebe no som da torcida ao presenciar um drible. Há uma explosão de alegria no gol, na hora sagrada e sublime do gol. Há ainda um aplauso sincero na defesa difícil ou no esforço para a bola que parecia perdida. A magia do futebol é percebida fora dele. Talvez esteja mesmo fora dele. Na torcida.

Que espetáculo seria capaz de contagiar corações frios de empresários, médicos, advogados, agricultores e desempregados, ao mesmo tempo, como o grito incansável de uma torcida? Que graça teria o gol não fosse a livre explosão de felicidade que emana das arquibancadas. Porque tanto alarde em uma final se a taça ocupa poucos minutos do espetáculo? Todo o resto é ocupado pela torcida. Até a vaia premeditada faz parte do show. Torcer é tão bom quanto assistir a um jogo de futebol. Assistir uma partida de futebol é antes de tudo torcer.

E o bom torcedor vai todo fardado. Ou não. Pode portar apenas um amuleto do time. Ou uma roupa com a mesma cor da equipe. Mas ele precisa ser facilmente identificado na multidão como membro daquela tribo. E vale gritar bem alto, xingar o juiz e falar besteira sobre o jogador. Vale escalar o time e abraçar um estranho. Vale levar radinho ou contar o tempo no relógio.

Sempre fui torcedora. Antes mesmo de gostar de futebol. Antes mesmo de saber o que era impedimento, eu já sabia o que era torcer. Ninguém me ensinou, aprendi sozinha. Talvez tenha tido alguns exagerados exemplos em casa (o que explica muita coisa). Mas sempre torci. No começo eu só usava uma cor discreta igual a da camisa do time. Hoje até a calcinha é pensada. E comecei a praticar um delicioso ritual da preparação do “kit torcedor”. Não importa aonde eu assistisse o jogo, no estádio, em casa ou na rua. Eu precisava estar devidamente uniformizada. E sempre estive. Fazia parte do meu show.

Mas um dia...eu assisti um jogo do meu Inter sem ela...sem o manto sagrado de todo o colorado. Sem a camiseta como carinhosamente chamo aquele pano vermelho com uns desenhinhos bonitinhos e, pelo qual tenho mil cuidados ao lavar e guardar. E me disseram que não podia usar radinho. Até podia perguntar o tempo. Eu não podia xingar o juiz, nem chamar o goleiro de corno. Eu não podia gritar gol, nem fazer figa na cobrança de falta do adversário. Eu não podia nem desejar boa sorte ao atacante do meu time. E eu estava tão perto dele. Ali a passos dos meus ídolos, eu tinha que passar despercebida.

A primeira vez que se assiste um jogo sem a camiseta do time é inesquecível. O jogo ganha outros ares dentro de campo. Estava dentro, mas na verdade estava fora. Meus olhos estavam com a torcida. Que inveja daquele povo apertado e que ficava o jogo inteiro cantando sem sentar um minuto. Que invejinha daquelas maquiagens no rosto que mancham as roupas e custam a sair. E que vontade de segurar, nem que fosse na mão, aquela camiseta.

Mas eu torci. Uma torcida silenciosa. E xinguei o juiz olhando para os céus. Agradeci ao goleiro sorrindo discretamente. Desejei boa sorte aos meus, antes distantes e agora próximos, ídolos num olhar. Fui uma jornalista que nem parecia colorada. Nem parecia que eu torcia para um time. Era só mais uma pessoa que se amontoava atrás da goleira na busca de uma boa foto... Até que foi fácil, mandei bem. Me comportei direitinho. E até fingi que fazia isso sempre.

Naquele dia eu aprendi a torcer de um jeito diferente. Parabéns pra mim. Bem quietinha ali eu vi tudo. Aí, o Nilmar faz um gol de bicicleta, que desempata o jogo e dá o título ao meu time... Por dois breves segundos transformei o reservado atrás do gol na popular do Inter...

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