quinta-feira, maio 17, 2007

Cutucando a ferida - Vidas em apuros

Num início de noite comum para a maioria da população, brasileiros sentavam-se a frente da tevê para assistir ao Jornal Nacional. Notícias do dia, acidentes de trânsitos, disputas armadas em favelas. No que tange a política, estávamos habituados a discursos vazios de políticos em alguma solenidade formal. E aí, aparece: “Ministro da Saúde propõe debate da legalização do aborto”.
O ministro José Gomes Temporão afirma que está na hora do país levantar esse debate, pois trata-se de uma questão de saúde pública. O aborto é a terceira causa de morte materna no Brasil. Já em dezembro de 2004 , o então ministro Humberto Costa falava em “tratamento digno” às pacientes com complicações por abortos.
Quando se fala em aborto se levantam questões éticas, religiosas e médicas. Mas que tal escutarmos as protagonistas, as maiores interessadas nesse debate. É preciso escutar as mulheres. São essas as mais prejudicadas quando um aborto é mal sucedido, e numa sociedade machista e subdesenvolvida são geralmente as que arcam com os custos sociais e financeiros da formação de uma criança. Por exemplo, quantas vezes já escutamos a seguinte notícia: “Mãe joga no lixo recém nascido”. Por outro lado, quantas vezes escutamos: “Pai joga recém nascido no lixo”? Raramente ou nunca escutamos a segunda afirmação.
A realidade brasileira, da maioria das mulheres, provavelmente as pobres e negras, não inclui a palavra pai. São elas que criam um filho, elas são consideradas as responsáveis no caso de um filho ser um criminoso. Mesmo que elas tenham sido estupradas, mesmo que no posto de saúde perto de sua casa não havia anticoncepcionais disponíveis, mesmo que não tenham conseguido realizar a operação de laqueadura através do SUS. Estima-se que no Brasil o número de aborto esteja entre 450 mil e um milhão por ano. Afinal, será que podemos chamar todas essas mulheres de assassinas? Ou são pessoas conscientes de que um filho é uma responsabilidade que ela não pode arcar ?
Seus inquisidores consideram que elas terminaram com uma vida. Quando começa a vida? Quando o homem produz espermatozóides? Milhares são expelidos numa ejaculação. Seria a masturbação um homicídio em massa? Um espermatozóide e um óvulo juntos constituem o mapa integral genético de um ser humano. A maior parte dos óvulos fertilizados, no entanto, abortam espontaneamente.

Então a vida humana começaria quando há um feto com forma humana? Até a sétima semana o feto tem cauda. Como tantos animais que matamos por sobrevivência. Mas o que nos distingue desses animais que matamos é a capacidade de pensar. A ligação entre os neurônios constitui o ato de pensar do ser humano, esta ligação começa entre a 24º e 27° semana de gravidez. Um feto está dentro do útero da mulher porque antes do sexto mês não sobreviveria fora.
Por muito tempo foi-se creditado pela sociedade como única função da mulher esta de gerar uma vida. Pois neste mesmo tempo, não muito distante dependendo de nossa localização geográfica, o corpo da mulher não era dela, foi do pai e depois do marido. Até hoje em alguns lugares mulheres são apedrejadas por que cometeram adultério. E essa mulher quando um dia quis a liberdade provocou um alarde tão grande quanto este de agora. Um dia, neste mesmo país, a mulher disse que tinha capacidade de escolher e quis votar, muitos discordaram. Quando ela quis ter possibilidade de escolher seu parceiro e queria o divórcio, outros tantos discordaram. E agora quando ela quer decidir o melhor momento de ser mãe não poderia ser diferente. Mas falar em liberdade da mulher implica nela saber o momento de ser mãe. É uma etapa da vida de uma mulher, homens não engravidam, lembremo-nos disso. Talvez se engravidassem não estaríamos aqui discutindo sobre a possibilidade de legalização do aborto.
A verdade é que uma gravidez indesejada quem paga não é mãe apenas, paga a criança. E pior, paga a sociedade. É muito mais caro e dolorido para a sociedade lidar com as consequências de uma gravidez indesejada do que com a questão do aborto. Vide nossas crianças pedintes na rua. Ou investiguemos a infância de muitos criminosos que estão lotar a nossas cadeias. Caro também para o sistema público de saúde arcar com consequências de abortos caseiros, como quando mulheres colocam dentro de si agulhas. Ou remédios ditos abortivos vendido em câmelos. É caro para toda a sociedade essas consequências.
Como foi caro por anos tentarem negar que a mulher tinha os mesmos direitos de um homem. Agora se fala em vida de fetos, e trazem preconceitos de um tempo em que falar em vida não era falar de mulheres.

Nenhum comentário:

Contato

  • acmagagnin@yahoo.com.br